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“Os dois Motu proprio do Papa Francisco,
infligem uma grave
ferida no matrimônio cristão.” |
Os dois Motu proprio do Papa Francisco, Mitisiudex
Dominus Iesus para a Igreja latina, e Mitis et misericors Jesu para
as Igrejas orientais, anunciados em 8 de setembro de 2015, infligem uma grave
ferida no matrimônio cristão.
A indissolubilidade do casamento é lei divina e imutável de
Jesus Cristo. A Igreja não pode “anular”, no sentido de dissolver, um
casamento.
Ela pode, com uma declaração de nulidade, verificar a sua
inexistência, devido à falta dos requisitos que garantem a sua validade. Isto
significa que em um processo canônico a prioridade da Igreja não é o interesse
dos cônjuges na obtenção de uma declaração de nulidade, mas a verdade sobre a
validade do vínculo matrimonial.
Pio XII lembra-nos a esse propósito que “no processo
matrimonial o fim único é uma decisão conforme a verdade e o direito a respeito
da alegada inexistência do vínculo matrimonial no referido processo de
nulidade” (Discurso à Rota Romana, 2 de outubro de 1944).
O fiel pode enganar a Igreja para obter a nulidade, por
exemplo, através do uso de testemunha falsa, mas
a Igreja não pode enganar a
Deus e tem o dever de apurar a verdade de modo claro e rigoroso.
No processo canônico deve ser defendido acima de tudo o
supremo interesse de uma instituição divina, que é o casamento.
O reconhecimento e a proteção desta realidade são formulados
no âmbito jurídico com a sintética expressão favor matrimonii, ou seja,
a presunção, até prova em contrário, da validade do casamento.
João Paulo II explicou bem que a indissolubilidade é
apresentada pelo Magistério como a lei comum de todo casamento celebrado,
porque se pressupõe a sua validade, independentemente do sucesso da vida
conjugal e da possibilidade, em certos casos, de uma declaração de nulidade (Discurso
à Rota Romana, 21 de janeiro de 2000).
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O Papa Bento XIV, introduziu o princípio da dupla sentença concordante que foi consagrado pelo
Código de Direito Canônico.
Pierre Hubert Subleyras (1699-1749) Museu de Versailles |
Quando o Iluminismo tentou ferir de morte o matrimônio
cristão,
o Papa Bento XIV, com o decreto
De miseratione de 3 de novembro
de 1741,
ordenou que em cada diocese fosse nomeado um defensor vinculi e
introduziu, para obter a declaração de nulidade,
o princípio da necessária
concordância das sentenças nos dois graus de julgamento.
O princípio da dupla sentença concordante foi consagrado pelo
Código de Direito Canônico de 1917 e incorporado no código promulgado por João
Paulo II em 25 de Janeiro de 1983.
No Motu Proprio do Papa Francisco, tal ótica é
invertida. O interesse dos cônjuges tem primazia sobre o do casamento.
É o próprio documento que o afirma, resumindo nestes pontos os
critérios fundamentais da reforma: abolição das duas sentenças concordantes,
substituídas por uma única decisão a favor da nulidade, executável por si só;
atribuição de um poder monocrático ao bispo, reputado único juiz; introdução de
um processo sumário realmente incontrolável, com a substancial eliminação do
papel da Rota Romana.
Como interpretar de outro modo, por exemplo, a abolição da
dupla sentença?
Quais são os graves motivos pelos quais, depois de 270 anos,
esse princípio é revogado?
O Cardeal Burke lembrou a tal propósito uma catastrófica
experiência. Nos Estados Unidos, de julho de 1971 a novembro de 1983, entraram
em vigor as chamadas Provisional Norms, que efetivamente eliminaram
a obrigatoriedade da dupla sentença.
O resultado foi que a Conferência Episcopal não negou um só
pedido de dispensa entre as centenas de milhares recebidas e, na percepção
comum, o processo começou a ser chamado de “divórcio católico” (Permanere
nella Verità di Cristo. Matrimonio e comunione nella Chiesa cattolica,
Cantagalli, Siena 2014, pp. 222-223).
Mais grave ainda é a atribuição ao bispo diocesano da
faculdade de, como único juiz, instruir discricionariamente um julgamento
sumário e chegar à sentença.
O bispo pode exercer pessoalmente o seu poder ou delegá-lo a
uma comissão, não necessariamente composta por juristas.
Uma comissão formada à sua imagem, que seguirá naturalmente as
suas instruções pastorais, como já é o caso dos “centros diocesanos da escuta”,
privados até hoje de qualquer competência jurídica. A combinação entre o cânon
1.683 e o artigo 14 sobre as regras de procedimento a esse respeito tem um
alcance explosivo.
Sobre as decisões pesarão inevitavelmente considerações de
natureza sociológica: os divorciados recasados terão, por razões de “misericórdia”, uma via preferencial. “A Igreja da Misericórdia – observa
Giuliano Ferrara – se pôs a correr” (“Il Foglio”, 9 de setembro de
2015). Corre numa estrada não administrativa, mas “judiciária”, na qual de
judiciário resta muito pouco.
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A Nau dos Insensatos, detalhe.
Hyeronimus Bosch (1450 — 1516). |
Em algumas dioceses, os bispos procurarão garantir a seriedade
do processo, mas é fácil imaginar que em muitas outras – por exemplo, da Europa
Central –
a declaração de nulidade tornar-se-á uma mera formalidade.
Em 1993, Oskar Saier, Arcebispo de Friburgo em Brisgau, Karl
Lehman, Bispo de Mainz, e Walter Kasper, Bispo de Rottenburg-Stuttgart,
publicaram um documento em favor daqueles que estavam certos em consciência da
nulidade do seu casamento, mas não tinham os elementos para prová-lo no
tribunal (Vescovi dell’Oberrhein, Accompagnamento pastorale dei divorziati,
“Il Regno Documenti”, 38 (1993), pp. 613-622).
A Congregação para a Doutrina da Fé respondeu com a Carta Annus
Internationalis Familiae de 14 de setembro de 1994, afirmando que essa via
não era percorrível, porque o casamento é uma realidade pública: “não
reconhecer este aspecto essencial significaria negar de fato que o casamento
existe como realidade da Igreja, quer dizer, como um sacramento”.
Mas a proposta foi retomada recentemente pelo serviço
diocesano de pastoral de Friburgo em Brisgau (Orientamenti per la pastorale
dei divorziati, “Il Regno Documenti”, 58 (2013), pp. 631-639), segundo o
qual os divorciados recasados, após a “nulidade de consciência” do casamento
anterior, poderão receber os sacramentos e exercer funções nos conselhos
paroquiais.
O favor matrimonii é substituído pelo favor
nullitatis, que passa a constituir o elemento principal do direito,
enquanto a indissolubilidade é reduzida a um “ideal” impraticável.
A afirmação teórica da indissolubilidade do casamento é de
fato acompanhada na prática pelo direito à declaração de nulidade de qualquer
vínculo fracassado.
Bastará alguém acreditar em consciência que o próprio
casamento é inválido para fazê-lo reconhecer como nulo pela Igreja.
É o mesmo princípio pelo qual alguns teólogos consideram
“morto” um casamento em que, de acordo com ambos os cônjuges ou com um deles,
“o amor está morto”.
Pela conhecida lei segundo a qual “a moeda falsa expulsa a
boa”, no caos que virá a impor-se, o “divórcio sumário” está destinado a
prevalecer sobre o matrimônio indissolúvel.
O cardeal Gerhard Müller, Prefeito da Congregação para a Doutrina
da Fé, evocou o risco de uma divisão na
Igreja, convidando a não esquecer a lição do cisma
protestante que inflamou a Europa há cinco séculos.
Em 29 de janeiro de 2010, Bento XVI advertiu o Tribunal da
Sagrada Rota Romana para não consentir na anulação de casamentos pela
“condescendência
aos desejos e às expectativas das partes, ou então aos condicionamentos do
ambiente social”.
Mas nas dioceses da Europa Central, a declaração de nulidade
vai se tornar um ato de mera formalidade, como aconteceu nos Estados Unidos na
época das Provisional Norms.
Pela conhecida lei segundo a qual “a moeda falsa expulsa a
boa”, no caos que virá a impor-se, o “divórcio sumário” está destinado a
prevalecer sobre o matrimônio indissolúvel.
Fala-se há mais de um ano de cisma latente na Igreja, mas quem
o diz agora é o cardeal Gerhard Müller, Prefeito da Congregação para a Doutrina
da Fé, que num discurso em Regensburg evocou o risco de uma divisão na
Igreja, convidando a ser muito vigilante e não esquecer o cisma
protestante que inflamou a Europa há cinco séculos.
Na véspera do Sínodo sobre a família em outubro, a reforma do
Papa Francisco não apaga nenhum incêndio, mas o alimenta e aplaina o caminho
para outras desastrosas inovações. Não é mais possível ficar calado.
Concordo com o Cardeal Gerhard Muller, o C I S M A se aproxima velozmente, pois a indignação cresce a cada dia, quando se vê o crescimento da Teologia da Libertação, sem qualquer condenação-excomunhão, por parte da Santa Sé. Não acontecerá o mesmo que houve há cinco séculos. O mundo mudou. Mas a Igreja sairá revigorada, com certeza.
ResponderExcluirÉ a teologia serena... Estamos no fim!
ResponderExcluirhttps://www.youtube.com/watch?t=5&v=7mPjRrg7zFY
Basto