O escritor e aviador francês Saint-Exupéry (1900-1944) descreve simbolicamente em seu livro Vol de Nuit (voo da noite) a situação da pessoa que, almejando colocar-se acima das misérias terrenas, procura com avidez alcançar o sublime. Vamos primeiro ao texto, que comentaremos depois.
Imagina ele um aviador de nome Fabien voando em meio a uma tormenta que parece arrastá-lo para o sorvedouro:
“E foi num momento destes que algumas estrelas brilharam sobre a sua cabeça, num rasgão da tempestade [...]. Sua fome de luz era tal, que Fabien subiu. [...]
Sofrera tanto em busca duma luz, que já não largaria mesmo a mais confusa. Sentindo-se afortunado com aquele pobre clarão, seria capaz de dar voltas, até cair morto, em torno daquele sinal do qual andava faminto. E ei-lo subindo até os campos de luz.
“Elevava-se pouco a pouco, em espiral, num poço que se abrira acima dele e se fechava debaixo dele. E à medida que subia, as nuvens iam perdendo a sua cor escura de lama, passavam a seu lado como vagas cada vez mais puras e brancas. Fabien emergiu.
“Foi imensa a sua surpresa, a claridade era tal que o ofuscava. Teve de fechar os olhos durante alguns segundos. Nunca imaginara que de noite as nuvens pudessem ofuscar. Mas a lua cheia e todas as constelações transformavam-nas em vagas deslumbrantes.
“No mesmo instante em que emergia, o avião recuperou subitamente a calma, uma calma que parecia extraordinária. Nenhuma onda o fazia inclinar-se.
Como um barco que transpõe o dique, entrava em águas reservadas. Encontrava-se num canto do céu ignorado e escondido, como a baía das ilhas bem-aventuradas.
Abaixo dele, a tempestade constituía um outro mundo de três mil metros de espessura, percorrido por rajadas, por trombas d’água, por relâmpagos, mas oferecia aos astros uma face de cristal e neve.
“Fabien tinha a sensação de ter chegado a limbos estranhos, pois tudo se tornava luminoso: as suas mãos, o seu vestuário, as suas asas. [...]
“Aquelas nuvens, abaixo dele, refletiam toda a neve que recebiam da lua. E também as da direita e da esquerda, altas como castelos. Corria um leite de luz, em que a tripulação se banhava. [...]
Mil braços obscuros o tinham largado. Tinham-se quebrado as cadeias, como as de um prisioneiro que deixam caminhar só, por um instante, entre flores. ‘Belo demais’, pensava Fabien, enquanto vagueava no meio de estrelas amontoadas como um tesouro” (Antoine Saint-Exupéry, Vol de Nuit, Gallimard, 1972).
O que dizer?
Esse sublime existe, e ele se reflete nas coisas que nos cercam.
Tudo o que existe de belo, verdadeiro e bom nesta Terra é reflexo de uma realidade superior, que Deus criou para os que O amam, e que encontraremos plenamente desabrochada no Céu.
Aqui na Terra, esses aspectos sublimes, que espelham a Deus, encontram-se misturados com o horrendo, o mau e o errado, por efeito do pecado original e dos pecados atuais dos homens, e também pela ação diabólica que a tudo quer corromper.
Pode haver épocas ou situações em que as semelhanças da sociedade terrestre com o Céu predominem, e outras em que os reflexos do Inferno nos flagelem, como a atual.
Mas em qualquer tempo existirão os dois mundos –– o do belo e o do horrendo –– muitas vezes mesclados.
Felizes aqueles que souberem distingui-los, para detestar o feio e admirar o belo. Mais ainda, para serem lutadores em favor do bem e da verdade, contra o mal e o erro.
Os que se encantam com a beleza, a verdade e o bem, onde quer que eles se encontrem, esses preparam suas almas para o Reino de Deus.
A mais acertada conclusão desta “visão” de Saint-Exupéry não nos é dada pela bela descrição simbólica que ele faz –– e que permanece no terreno meramente natural –mas sim pelo escrito singelo de Santa Teresinha do Menino Jesus: “Por cima das nuvens o céu é sempre azul”.
E para a carmelita de Lisieux, este céu que paira sobre as nuvens é o Céu dos Bem-aventurados.
Belo texto de Exupéry, que desapareceu num dos seus vôos. Teria sido levado para o céu almejado? Sua delicadeza no Pequeno Príncipe o fez uma dos escritores católicos mais louvados no mundo. Mas temos que nos ater às realidades científicas e não poéticas como o da virgem de Lisieux. O céu é escuro como breu e apenas nos primeiros 20 mil metros que cobram a terra, o ar, o oxigênio, nos dá a impressão de azul, assim nos parecendo a terra vista pelos satélites. O céu cósmico é escuro, assim como os buracos negros. Não sabemos ainda que matéria é essa, mas chegaremos lá. A Divindade criadora armou um grande enigma para o homem, desafiando a inteligência desse ser, que se pretende semi-deus.Se nossa civilização não desaparecer num hecatombe provocado por um meteoro, o homem chegará aos planetas e aos confins do universo. E quando isso acontecer, ele será imortal, como os deuses. RR
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