O Cardeal Lehmann no carnaval de Aquisgrão. Os católicos de esquerda anseiam que a Igreja Católica se aproxime fortemente ao mundo |
Frankfurt — Em entrevista ao “Frankfurter Rundschau”, diário alemão de orientação esquerdista, o Cardeal Karl Lehmann constata decepcionado que o documento Amoris laetitia alcançou repercussão bastante moderada na Alemanha:
“Se atento para o eco público da carta papal ‘Amoris laetitia’, constato um rápido desinflar do interesse. Na verdade, hoje em dia as ondas de interesse suscitadas pela mídia vêm e voltam no total, numa sequência cada vez mais curta. Razão a mais para que os teólogos nas universidades e as publicações especializadas se ocupem do texto.A reação na Alemanha descrita pelo Cardeal Lehmann é consequência de diferentes expectativas e perspectivas existentes no chamado progressismo católico desde o seu início.
“Do contrário não passará de um golpe desferido na água. Até agora o distanciamento dos teólogos tem-me decepcionado e preocupado. O fato de o próprio Papa afirmar que lhe importa mais a pastoral do que a dogmática, isso não dispensa a teologia de continuar a pensar.”
O que une todos os católicos de esquerda é o desejo de que a Igreja Católica se adapte ao mundo ou, pelo menos, que dele se aproxime fortemente. Essa aproximação, entretanto, não deve ser uma qualquer.
Não, segundo católicos esquerdistas, a Igreja deveria adaptar-se às correntes ideológicas igualitárias, transformar-se de acordo com o pensamento igualitário reinante.
A fim de conseguir adaptar-se ao mundo, a Igreja deveria se despojar de tudo o que contraria o pensamento igualitário, ou seja, das seguintes diferenças: entre o laicato e o clero; dentro da Hierarquia eclesiástica; entre a ordem natural e a sobrenatural (banalização da liturgia, extinção da piedade popular e dos objetos de devoção como o Rosário; dessacralização da arquitetura e da arte religiosa etc.).
A Igreja deveria ainda recusar uma linguagem autoritária e uma forma destemida de agir e de se apresentar (verbete “pompa barroca”) etc.
É desnecessário dizer que neste campo há diferentes graus de intensidade. Nem todos querem ir tão longe quanto Hans Küng ou Eugen Drewermann.
Apesar dessa unidade dos progressistas quanto à meta, existe entre eles uma diferença importante e fundamental.
O Papa Francisco I recebe do presidente boliviano Evo Morales livros que defendem a coca. |
Para tal, ela deveria dedicar-se menos às questões doutrinárias do que às dificuldades pastorais do mundo real. Pela mesma razão, a Igreja deveria cuidar dos desafios do mundo de hoje: problemas sociais, fome, destruição ecológica etc. De tudo aquilo que no momento seja, segundo a mídia, atual.
Essa concepção conduziu no passado a opiniões consideradas hoje como praticamente insustentáveis. Assim, havia sacerdotes que simpatizavam abertamente com ideias socialistas e até comunistas (sem aprovar necessariamente as ideologias).
Achavam que o socialismo ou até mesmo o comunismo estavam em condições de ajudar os pobres. Porém, alguns desses padres defendiam simultaneamente a moral católica sobre a sexualidade.
Mas havia desde o início uma segunda posição dentro do chamado progressismo, a qual não se satisfazia com a mera adaptação cultural da Igreja.
2. Essa segunda corrente era da opinião de que a doutrina da Igreja deveria modificar-se para dar lugar a uma nova pseudo-doutrina que correspondesse às máximas revolucionárias do mundo moderno igualitário. Um subproduto de tal “reforma” seria a Igreja deixar de ser a Guardiã da verdade.
Pois, para essa corrente, a verdade surge de um contínuo diálogo teológico.
Para ficar no exemplo do comunismo, a “Teologia da Libertação”, que visa uma simbiose entre a doutrina da luta de classes e o cristianismo, era um desses “projetos” teológicos.
No tocante à Alemanha, está largamente difundida desde muito tempo a crítica ao ensinamento moral fundamentado no Direito natural. Já nos anos 50 (para não retroceder mais longe, até a época da heresia modernista condenada por São Pio X), a ética de situação — segundo a qual as questões morais deveriam ser julgadas de acordo com as circunstâncias individuais, e não segundo normais universais — era popular entre os teólogos modernos, sendo o mais importante deles o redentorista Bernhard Häring CSsR.
Essa corrente dentro do progressismo católico alemão foi se tornando cada vez mais forte com o passar dos anos, aparecendo na ribalta por ocasião dos dois últimos Sínodos.
Tal corrente esperava abertamente que o Sínodo Ordinário da Família realizado no outono de 2015 não apenas aprovasse a comunhão para os divorciados recasados, mas também abençoasse os anticoncepcionais e todas as formas possíveis de parcerias, inclusive as homossexuais.
No que diz respeito ao Magistério, tudo permanece, portanto, como dantes.
A decepção daí decorrente explicaria provavelmente por que na Alemanha a repercussão entre os teólogos progressistas foi tão fraca, como afirma o Cardeal Lehmann.
* * *
Muito diferente foi a recepção da Amoris Laetitia nos países onde os progressistas — que não propugnam uma nova doutrina, mas tão-só uma adaptação da Igreja ao mundo moderno — constituem maioria.Esta corrente é particularmente forte na Itália. Muitos teólogos italianos não desejam um Magistério claro, satisfazendo-se com afirmações imprecisas e até mesmo contraditórias, na esperança de que a realidade — ou seja, a Igreja tal como ela existe realmente — se modifique, sem entrar em disputas teológicas enfadonhas e cansativas.
O caos na Igreja seria para essa corrente uma situação para a qual se deveria tender.
Segundo as lucubrações desses progressistas, “os fiéis começariam a viver numa ‘situação de caos’ considerada correta por eles. O Magistério não desempenharia quase nenhum papel na vida cotidiana, e isso seria bom”.
No fundo, as correntes acima descritas podem ser compreendidas como duas estratégias diversas convergindo para o mesmo objetivo, ou seja, a destruição da Igreja Católica. Uma Igreja que não mais existe primordialmente para anunciar a verdade não seria a verdadeira Igreja.
Importa aos fiéis ter ambas as estratégias em vista. Esses dois modos de agir exigem contra-estratégias diversas.
Em todo caso, quando se trata de defender a Fé, uma discussão meramente teológica com os erros dos progressistas católica não é suficiente. Uma reação cultural é no mínimo igualmente importante.
Tradução do original alemão – Renato Murta de Vasconcelos
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